sexta-feira, 30 de maio de 2008

Crinas, Xadrez, Cigarros e Conhaques

Não tinha o que fazer em casa. Na verdade tinha, mas não tava afim... Então fui pro boteco, um que conheci há pouco tempo, uns oito anos. Sentei-me na mesa de costume (recente) e pedi o de sempre pro bodegueiro. Conhaque sem gelo. Sentou ao meu lado um cachorro de rua fugido da chuva, chovia muito, e pediu o mesmo sem gelo, o bodegueiro serviu sem pestanejar, achei estranho, mas não falei nada. Entrou no boteco seco um homem grande, muito grande e me perguntou se eu jogaria uma partida de xadrez com ele, respondi que não com a cabeça e continuei a beber com o cachorro, sem conversar, só beber. Então o homem grande foi em outras mesas achar um adversário para o jogo. O bodegueiro só olhava secando copos, sempre tava secando copos, nunca o vi lavando, só secando com um pano de prato. Tinha velas em todas as mesas, no canto um casal tocando violoncelo um para o outro, cada um com o seu. Uma mulher pendurada por uma corda no pescoço bebia vinho. E um negro sem roupas pensava, não bebia, só pensava. O cachorro me perguntou se eu tomaria mais uma dose com ele. Respondi que sim, afinal, era uma noite comum. O bodegueiro tinha uma cabeça grande, não podia usar chapéu e nem óculos, mas nos serviu de conhaque e deixou a garrafa na mesa, disse que o cão pagaria a conta. E o cachorro confirmou com a cabeça. A música começou a ficar mais alta e agitada (o casal discutia). E o negro pensava tanto que chamou a atenção do homem grande que foi ao seu encontro enquanto o motociclista estacionava sua moto de três metros na frente do boteco e grita pelo bodegueiro que imediatamente leva um galão de gasolina pra ele, o homem grande se abaixa com o tabuleiro na mão em frente ao negro que pensava nu e perguntou se ele jogava xadrez, no mesmo instante as cordas do violoncelo se partem junto com a corda do pescoço da mulher que bebia vinho para o ponto de ônibus. O time de futebol finalmente deixou o banheiro vago, e o negro nu que pensava afirmou com a cabeça e pegou o tabuleiro das mãos do homem grande e arremessou com toda força na sua cara e diz xeque mate pro homem grande que começa a chorar mais que a chuva. Foi quando percebi que tava acabando meus cigarros, pedi pro bodegueiro um maço, mas ele tava botando fogo no motociclista que ria como criança e não me ouviu, enquanto a mulher que bebia vinho passou os braços em volta do pescoço do negro nu e foram ao banheiro, o casal com os violoncelos montaram em seus cavalos e foram um pra cada lado. Foi quando decidi voltar pra casa, mesmo não tendo o que fazer. Na verdade tenho, mas não tô afim... O cachorro de rua me acompanhou até um pedaço do caminho, sem falar nada. Minha mulher perguntou porque tinha voltado tão cedo pra casa. E eu respondi que o boteco tava chato. E ela me serviu um prato de sopa... E eu esqueci de comprar cigarros...
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Zé Beto Silva Só

2 comentários:

Tchakaruga de Paranaguá disse...

Qualquer coincidência é mera semelhança.

Anônimo disse...

A tristeza d não ver um amigo é pior d nunca revê-lo....