segunda-feira, 24 de março de 2008


(Trecho/introdução da peça “E Éramos Todos Thunderbirds” de Mário Bortolotto escrita em 2001)


E éramos todos invencíveis. Com nossas coleções de figurinhas. O tênis Kichute. As balas Apache e os desenhos do Zé Buscapé. Éramos orgulhosos de nossas cicatrizes. Da Nádia Lippi. Da Rose di Primo. Do pai bebum. De nossas bravatas adolescentes. Do Rivelino, do Clodoaldo e do Tostão. A gente queria era bandido na seleção. A gente queria o Troféu Abacaxi. A gente queria Rita Cadilac na televisão. A gente queria panqueca no café da manhã e vinho Sangue de Boi. Boquete da Lurdinha no Fusquinha. Nosso ideal de vida era um salão de sinuca. Ninguém queria ser publicitário. Ninguém queria lavar pratos em Nova York. Ninguém queria comer sashimi nem tomar santo daime. A gente queria era ver a Linda Blair dar um 180 na responsa. Cult pra gente era James Russel, malandro.
Éramos punheteiros. Jamais onanistas. Éramos consumidores de penicilina. Amantes de estrias. Nossos troféus eram bandagens amarelas. A gente ia tirar a Penélope das garras do Tião Gavião.
Éramos iconoclatas. A gente queria pôr no rabo dos gurus, das socialites e dos corredores de formula 1. Era um tempo em que o mundo se dividia em fodões e cuzões.
A gente não usava boca de sino. Não dançava em discotecas e nossos heróis não morriam de overdose. A gente morria da dor de existir.
Éramos todos Mirisolas. Éramos todos Beavis & Butt Head. Éramos amargos, ressentidos e cheios de raiva. Éramos cínicos e orgulhosos. Éramos de um tempo em que todo mundo queria ser centroavante.
Estamos velhos e nostálgicos. Estamos chapados e nocauteados. Detonados no sofá encarquilhado. O babaca de branco já contou até 10. Então foda-se. Isso a gente ainda pode falar. Baixinho, mas pode. Foda-se.
Mas ainda vamos chutar alguns traseiros.
Éramos o caralho!

Mário Bortolotto

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